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Crise muda hábitos de consumo da 'nova classe média'
Crédito restrito e temor de desemprego prejudicam consumidores.
Os últimos anos viram a expansão da classe média no Brasil. No final de 2008, essa parcela da população já somava 53,8% da população, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV). Com um poder de compra maior, a chamada "classe C" passou a consumir mais e ajudou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro a registrar um crescimento acima de 3% nos últimos quatro anos.
Mas neste domingo (15), dia em que se celebra o Dia Mundial do Consumidor, há menos o que comemorar. Com o crédito mais restrito e o desemprego em alta, o brasileiro está "apertando o cinto". E é exatamente essa nova classe C que está sendo obrigada a fazer mais ajustes no orçamento.
"Hoje essa alteração no cenário afeta muito mais a classe que emergiu. O consumo de bens duráveis dessa classe estava extremamente ancorado no crédito, que deixava sobrar dinheiro para esse consumo de massa. Com a falta do crédito, algumas despesas acabam competindo com o orçamento doméstico básico", diz Karina Milaré, diretora da área de Consumo da consultoria TNS Interscience.
Apertado pela restrição do crédito, o consumidor está tomando uma atitude mais cautelosa em relação às compras. "Para arriscar, para fazer uma compra de valor maior, um componente importante é o grau de confiança. O comportamento do consumidor é afetado por aquilo que ele crê que vai acontecer", avalia João Carlos Lazzarini, diretor de Atendimento a Varejistas da consultoria AC Nielsen.
E confiança é algo que anda em baixa. Em fevereiro, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a confiança do consumidor atingiu o menor patamar desde que a pesquisa foi iniciada, em 2005. "A falta de confiança acaba influenciando esse padrão ou hábito de consumo que tem o brasileiro", diz o professor Marcos Luppe, Programa de Administração do Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração (FIA).
Mudança de hábitos
Segundo os especialistas, na hora de colocar o "pé no freio" nos gastos, os primeiros itens a serem cortados do orçamento são os de maior valor agregado, cuja compra tem uma maior dependência do financiamento.
"A primeira coisa que ele (o consumidor) eliminou foram produtos que dependem de crédito longo, parcelamento de mais de três prestações. Mesmo no Natal, o consumidor evitou e tem evitado o que precisa de mais prestações, como eletroeletrônicos, informática, eletrodomésticos", constata Fábio Mariano Borges, especialista no comportamento do consumidor e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
E isso não só porque o crédito está mais escasso, mas porque uma das grandes preocupações do brasileiro, hoje, é com a manutenção do emprego. O temor é assumir prestações e, mais à frente, não poder pagar.
Em relação a bens não duráveis, Lazzarini identifica três "momentos" na reação do consumidor. Em uma primeira fase, o consumidor reduz a intensidade da compra: "Eu comprava dois pacotes de biscoito, passo a comprar um", diz ele. "O segundo estágio é que acontece a mudança de marca. E, no terceiro momento, que é o mais grave em função da crise, é quando ele definitivamente para de consumir."
Para Karina Milaré, para a nova classe C essa mudança não vem facilmente. "Essas pessoas criaram novos hábitos, incorporaram consumos, é mais difícil abrir mão. Se antes elas consumiam uma marca premium, vão procurar marcas similares a preços mais baratos", afirma.
Outro aspecto são itens considerados supérfluos, como exemplo refeição fora de casa e lazer. "Esses segmentos são muito afetados porque é onde você começa a cortar. Você muito provavelmente não vai parar de comer, mas consegue substituir um produto ou outro", diz Luppe, do Provar/FIA.
Lazzarini, da Nielsen, aponta que, em uma situação de crise, os brasileiros também restringem os gastos com telefonia. "Um levantamento nosso mostra que mais de 50% dos brasileiros estão cortando esses gastos, bem acima da média da América Latina", diz ele.
Com o final da crise ainda não apontando no horizonte, o consumidor deve continuar cauteloso nos próximos meses. "A gente não está vendo nenhum sinal de alguma mudança mais significativa na situação. As empresas vão precisar se movimentar, com descontos, com pequenas parcelas para o consumidor, para incentivar o consumo", avalia o professor da ESPM.
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