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A revolução que dará o poder ao consumidor está em curso

Outras têm minúsculas etiquetas que você pode escanear com seu aparelho portátil.

Autor: Doc SearlsFonte: Valor Econômico

 

 

É uma manhã de sábado de 2022, e você está pensando no que vestir no jantar que dará à noite. Todas as roupas penduradas no seu armário são "inteligentes" - isto é, elas podem lhe informar quando foi a última vez que você as vestiu e com quais outras peças, e quando e onde elas foram lavadas pela última vez. Algumas fazem isso com microchips. Outras têm minúsculas etiquetas que você pode escanear com seu aparelho portátil.

À medida que você se prepara para a chegada dos convidados, descobre que sua máquina de café expresso não está funcionando. Você então saca o mesmo aparelho do seu bolso, escaneia o pequeno código atrás da cafeteira, e diz (literalmente) ao aparelho que a máquina está quebrada e você precisa comprar ou alugar outra. Uma mensagem, ou "intentcast", é enviada ao mercado, revelando somente o necessário para atrair ofertas. Nenhuma informação pessoal é revelada, exceto para os comerciantes com os quais você já tem uma relação de confiança.

Em um minuto, as ofertas começam a aparecer na tela do aparelho. Você as compara e decide alugar uma máquina de expresso de um vendedor de boa reputação que também pode consertar a velha. Quando a máquina substituta chega, o serviço de entrega escaneia e leva a máquina quebrada para o vendedor, que já aceitou suas condições de serviço e se comprometeu a não compartilhar nenhum dos seus dados com terceiros e a não colocar o seu nome em nenhuma lista de mensagens promocionais. O acordo foi feito automaticamente quando o intentcast foi enviado e suas condições casaram com as do vendedor.

Seu aparelho portátil é um descendente direto dos smartphones, e se conecta com o resto do mundo usando qualquer conexão ambiente que esteja disponível. Os fornecedores das conexões comerciais ainda ganham dinheiro, mas não amarrando consumidores a "planos", os quais há anos se mostraram ser um problema.

O aparelho portátil também é simples. Tecnologias e dispositivos novos ainda são projetados por inventores criativos e são tratados como segredos comerciais. Mas desenvolver protótipos e aperfeiçoá-los agora envolve usuários em cada estágio, especialmente nas versões novas. Os fabricantes acolhem as sugestões e agem de acordo com elas. As novas tecnologias não somente evoluem rapidamente, mas do modo certo. Fácil de usar é a nova regra, não a exceção.

Agora voltemos ao presente.

Tudo que eu acabei de descrever só seria possível se todo o poder fosse dado aos indivíduos - quer dizer, se eles fossem ao mesmo tempo independentes de organizações controladoras e mais capazes de interagir com elas. Um trabalho para alcançar este objetivo já está em curso dentro de um novo campo chamado VRM, a sigla em inglês para gerenciamento de relações com comerciantes. O VRM trabalha no lado da demanda do mercado: para você, o consumidor, não para os vendedores e terceiros no lado da oferta.

Desde a Revolução Industrial, a única maneira de uma empresa aumentar a produtividade e os lucros era tratando os consumidores como uma população ao invés de indivíduos - e tratando os empregados como posições num organograma ao invés de fontes únicas de talento e ideias. Qualquer coisa que destoasse dessa grande escala tendia a ser descartada.

A internet desafiou esse sistema ao dar aos indivíduos o mesmo poder. Qualquer um de nós pode agora se comunicar com qualquer outro, em qualquer lugar do mundo, a um custo quase nulo. Podemos criar nossos próprios sites. Podemos produzir, publicar, distribuir conteúdo e fazer coisas influentes, com alcance mundial. Cada um de nós pode ter valor como indivíduo único, não só como membros de grupos.

Mas a internet é jovem, e a maioria do trabalho de desenvolvimento já feito foi para melhorar o lado da oferta do mercado. Os consumidores se beneficiaram, mas melhorar suas próprias capacidades técnicas atraiu um interesse relativamente pequeno de desenvolvedores ou investidores.

Como resultado, as grandes empresas continuam a acreditar que um mercado livre é aquele em que os consumidores escolhem seus captores. Escolher uma das operadoras de celular para seu novo smartphone é, em muitos mercados, como escolher onde você gostaria de viver em prisão domiciliar. É por isso que os marqueteiros ainda se referem aos consumidores como "alvos" que eles podem "adquirir", "controlar", "gerenciar" e "reter", como se eles fossem gado. E é por isso que as grandes empresas pensam que a melhor maneira de ter uma relação pessoal com consumidores na internet é através de "big data", a enorme quantidade de informação que elas coletam colocando rastreadores de tráfego nos navegadores e smartphones das pessoas sem que elas saibam - de modo que apossam seguir o consumidor na web, e "personalizar" as "experiências" deles nos websites comerciais.

Ainda não está claro para os adeptos dessa prática que ela é na verdade insana. Pense bem. Ninguém da loja da esquina seguiria você por aí com uma mão no seu bolso e dizendo: "Só estou fazendo isso para que você tenha uma melhor experiência de compra".

A única maneira de interromper essa insanidade é os consumidores começarem a se apresentar como seres humanos e não somente como gado. Essa é a razão de ser do VRM. Num futuro não tão distante, você será capaz, por exemplo, de mudar seus dados de contato com vários comerciantes de uma vez, em vez de ter de fazê-lo muitas vezes em muitos websites diferentes. Você estabelecerá suas próprias regras, preferências e condições de interação - e o fará de um modo que possa ser automatizado tanto para você quanto para as empresas com as quais interage. Você não terá mais que "aceitar" acordos que cobrem o lado do comerciante e deixam o seu exposto.

Além do seu kit pessoal, você terá softwares que podem reunir todos os aplicativos de serviços oferecidos por empresas, poupando trabalho para você e criando negócios para elas - tudo em tempo real. Numa viagem de negócios, por exemplo, você pode ter apps no seu celular sobre viagens, hospedagem, mapas, academias de ginástica e lembretes trabalhando todos juntos para comparar ofertas, fazer reservas, lembrá-lo de compromissos e até preencher o relatório de reembolso de despesas.

Hoje, quase todos os apps no seu celular, e todos os serviços de empresas direcionados ao público, são isolados no que os técnicos chamam de "silos", como hotéis, companhias aéreas e locadoras de carros. Com as novas ferramentas do VRM, você poderá trabalhar não apenas em muitos silos ao mesmo tempo, mas melhorá-los ao fazer conexões e fornecer-lhes dados úteis que eles não obteriam por conta própria. Nesse processo, você mostra o seu valor como consumidor independente.

Uma vez que os sinais econômicos tornarem-se mais visíveis no lado da demanda, o lado da oferta terá que passar a ver os consumidores como atores complexos e detentores de poder. Considere o que já está acontecendo com as primeiras espécies de ferramentas de VRM: as funções extras dos navegadores para bloquear anúncios e rastreadores. O uso delas está aumentando.

Em maio deste ano, a ClarityRay divulgou que o uso de bloqueadores de anúncios por usuários dos Estados Unidos e Europa foi de 9,26% no total. O porcentual variou de 6,11% para sites de empresas e finanças até 15,58% para sites novos e 17,79% para os de tecnologia. Para alguns sites, os bloqueadores de anúncios chegaram a 50%. Esses bloqueios atingem seu nível mais alto na Europa, com um pico de 22,5% na Áustria. Os EUA estão um pouco abaixo da média, com 8,72%. Já Irã, Guiana, Kuwait, Myanmar e Catar estão com 1% ou menos.

Os bloqueadores de anúncios também são as extensões de software mais populares para os principais navegadores como Chrome e Firefox, o qual tem a maior taxa de bloqueio, de 17,81%. O Internet Explorer da Microsoft tem a menor, de 3,86%.

Coincidentemente, também em maio, a Microsoft anunciou que a função "Do Not Track" (não rastrear) estará inserida na próxima versão do Explorer. A iniciativa irritou a indústria de marketing digital, que preferiria ver o DNT desativado na configuração de fábrica. Mas a Microsoft sabe que os ventos estão soprando para o lado dos consumidores.

A transferência do poder para o indivíduo será uma revolução longa e gradual. Ela começou com os primeiros computadores pessoais dos anos 80. Com os PCs, as pessoas ganharam o poder de fazer o que as empresas chamavam de "processamento de dados". A etapa seguinte da revolução foram as redes. A internet deu liberdade ao indivíduo para construir as suas próprias conexões. O terceiro estágio são os smartphones. Com eles, o indivíduo tanto tem capacidade computacional como de rede num aparelho tão portátil quanto uma carteira, mas não tão pessoal. Smartphones trazem muita liberdade, mas ainda são controlados pelas operadoras e, em alguns casos (notavelmente o da Apple), também pelo fabricante. Não é o caso do PC, muito menos da internet.

Essa revolução não estará completa até que sejamos livres para usar nossa capacidade de processamento e redes com o dispositivo que quisermos, fora dos domínios dos "provedores". Isso não será fácil. O mundo corporativo é notoriamente ruim em renunciar ao controle. Há também grandes somas por trás dos grandes dados, alimentando a crença de que a máquina de marketing conhece as pessoas melhor do que as pessoas conhecem a si próprias.

 

 

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