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É Possivel Conciliar Ética e Lucro? Parte III
A tentativa de generalização de aplicação dos pressupostos da ética empresarial coloca em cores vivas o equacionamento da resposta objetiva e concreta à necessidade de compatibilização dos conceitos de lucro e de ética no mundo corporativo.
Não discuto que as ações empresariais possam se dar nos conformes da moral, tanto como as ações empresariais são realizadas na busca do interesse da empresa, que é essencialmente o lucro. E assim a busca desse objetivo específico não é nem pode ser um valor moral.
O valor moral é um valor universal. Não pode ser relativizado no interesse de uma ou outra organização. Falar em moral empresarial ou ética empresarial só teria sentido se todas as empresas tivessem a mesma moral ou a mesma ética.
Deve-se dizer “moral” ou “ética”. E que diferença existe entre os dois termos? Resposta simples e direta: a priori, nenhuma. Você pode utilizá-los indiferentemente.
A palavra “moral” vem da palavra latina que significa “costumes” e a palavra “ética”, da palavra grega que também significa costumes. São, pois, sinônimos perfeitos e só diferem pela língua de origem.
Apesar disso, alguns filósofos aproveitaram o fato de que havia dois termos e lhes deram sentidos diferentes. Para Kant, por exemplo, a moral designa o conjunto dos princípios gerais, e a ética, sua aplicação concreta.
Outros filósofos ainda concordarão em designar por “moral” a teoria dos deveres para com os outros, e por “ética” a doutrina da salvação e da sabedoria. Por que não? Nada impede de se utilizar essas duas palavras dando-lhes sentidos diferentes. Mas nada obriga, porém, a fazê-lo, e, salvo explicação contrária, esses dois termos podem ser utilizados como sinônimos perfeitos.
A ética empresarial só pode ser, por definição, uma moral particular, específica (tal moral para a empresa X e outra moral para a empresa Y). Como Kant demonstra claramente, a moral em seu princípio é universal ou, pelo menos, tende a assim ser.
Como se trata de uma ética empresarial própria e específica para uma determinada empresa, outra para a empresa concorrente e ainda mais outra para uma terceira empresa, e assim por diante, isto significa de que não estamos falando em moral em nenhum desses casos particulares, mas de especificidades e de particularidades para cada uma delas. Cada uma tem a sua própria ética e julga que a sua é melhor do que as demais. Melhor para quem? Para si. É a ética do interesse particular.
O valor ético do desinteresse também se impõe com tal evidência, que não nos damos mais ao trabalho de pensar nele. Se descubro, por exemplo, que alguém que se mostra simpático, acolhedor e receptivo comigo se comporta assim na expectativa de obter uma vantagem qualquer, que ele dissimula e encobre (por exemplo, em ser beneficiário de minha herança), é evidente que a percepção do valor moral atribuído a seus atos desaparece imediata e completamente.
Essa é exatamente a situação da empresa em interação com os seus clientes. Ela se interessa pelo cliente como usuário de seus serviços, como comprador de seus produtos. Não tem em relação a eles qualquer atitude desinteressada.
As empresas na busca de seus interesses chegam ao ponto de selecionar, por intermédio de sistemas informatizados, a classificação de seus clientes para lhes proporcionar tratamento diferenciado todas as vezes em que entram em contato, seja por call centers ou não. As organizações cada vez mais discriminam os clientes em função de sua capacidade de compra e de fidelização. Mais do que isso: objetivam a colonização dos clientes, ou seja, transformá-los em seus empregados, colocá-los a seu serviço. E os clientes ainda têm que pagar por isso.
Cada vez mais as organizações desenvolvem plataformas que permitem aos clientes servirem-se da maneira que preferirem, em seus próprios ritmos, de onde e quando quiserem, segundo seus próprios gostos e preferências.
Isto se dá em todos os campos da vida cotidiana: na compra de bilhetes de teatro ou de cinema, nas passagens aéreas, terrestres ou de navio, na compra de indistintos produtos e serviços, no sistema bancário, no comércio em geral. Enfim, no conjunto e no universo da vida econômica. Esta é a lógica do comércio eletrônico globalizado. As empresas fazem com que o consumidor ou cliente sinta que cada produto ou serviço é concebido para satisfazer às suas necessidades e desejos individuais, quando na verdade o que efetivamente fazem é lhe oferecer um buffet digital de opções. E ao exercerem as suas preferências diretamente no site, terminam por substituir as atividades e atribuições antes destinadas aos empregados, assumindo as suas funções e extinguindo os seus empregos.
Mas os preços não caem, antes ficam mais caros para o aumento das margens de lucro das organizações. E, assim, os clientes não são apenas fidelizados, mas colonizados porque passam a trabalhar e a pagar pelo que consomem.
Mas você poderia contraditar que a moral também pode variar em função dos indivíduos e das sociedades, no tempo e no espaço. Sem dúvida, é isto que dá razão aos relativistas, inclusive contra o que Kant afirma. Mas, mesmo assim, os indivíduos e as sociedades vivem essa relatividade moral ou ética, no tempo e no espaço, como um problema a ser resolvido ou superado, não como um slogan ou uma estratégia de marketing ou de formação de imagem empresarial.
A moral, à falta de ser sempre universal, precisa ser universalizável. Assim, a moral não pertence a ninguém, a nenhuma empresa, pois se dirige a todos. Não pode ser particularizada, ser exclusiva de quem quer que seja, sob pena de as organizações se pretenderem transformar em repositórios da virtude na sociedade moderna.
Como poderia então a moral se submeter às marcas registradas, às patentes ou aos logotipos de uma empresa qualquer?
É muito bom que uma empresa disponha de declaração, carta ou código de ética ou de conduta. Esses instrumentos são sempre um bom quadro de referências para as ações empresariais. Que todas os tenham, enfim. O mundo será bem melhor, se assim for.
Mas daí a julgar que a ética empresarial possa ser mais do que uma ferramenta ou instrumento de gestão, que possa até fazer as vezes de consciência moral da empresa, é um retumbante contra-senso, por ser inteiramente descabido. É pretender dotar uma simples ferramenta de gestão de um valor moral que ela não possui. Repito: é querer fazer da empresa a aristocracia da virtude.
As melhores empresas, aquelas em que a gestão é mais sensível, mais coerente, mais fraterna, poderão possivelmente contar com os melhores empregados ou colaboradores. Poderão dispor de um clima psicossociológico bem superior. Poderão ser, inclusive, empresas bem mais produtivas. Mas não é a empresa que é moral: é a sua direção e seus dirigentes, seus empregados. Não é a empresa que é ética ou moral, são os indivíduos que a compõem.
A empresa em si nada mais é do que uma ficção jurídica. Ela só existe em função das pessoas que a integram.
De tanto ver prosperar o modismo da ética empresarial, de tanto instrumentalizarmos a moral em toda a parte, ela termina por não estar em parte alguma. Transforma-se apenas em slogan ou numa palavra de ordem publicitária.
E, assim, a ética empresarial passa a ser o vício da moda. E o vício da moda se transforma em virtude. Passa a ser uma deformação, porque não dizer uma perversão do real conceito de moral e de ética.
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