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Acesso à informação não pode ser prejudicado por conta de Lei de Proteção de Dados, dizem especialistas Fonte: Agência Câmara de Notícias
Deputados e sociedade civil denunciam uso equivocado da LGPD pela administração pública para impedir acesso a informações
Autoridades ouvidas pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados afirmaram que o acesso a informações de órgãos públicos e de agentes públicos não pode ser prejudicado por interpretações equivocadas da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O colegiado discutiu, na terça-feira (16), a interação entre a LGPD e a Lei de Acesso à Informação (LAI), mas especialistas garantiram que não há conflito entre as leis.
Autor do pedido do debate, o deputado Elias Vaz (PSB-GO) acredita que alguns órgãos do governo estão “pegando carona na confusão da interpretação da LGPD e da LAI para impedir que a população tenha acesso à informação transparente”. Para ele, isso dificulta também o trabalho parlamentar de fiscalização do Poder Executivo.
“Nós já temos notícia tanto da própria população, que, por exemplo, requisita informações do governo federal e está tendo negativa em função da Lei Geral de Proteção de Dados. Eu estou tendo este problema, agora mesmo recebi um calhamaço de material que pedi, um material denso, e ficou sob sigilo esse material só porque tinha CPF das pessoas”, disse. “Eu sequer posso tirar cópia desse material, e eu já identifiquei possíveis irregularidades”, complementou.
A Lei de Acesso à Informação completa 10 anos nesta quinta-feira (18).
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) reiterou que os parlamentares têm tido problemas para obter informações do governo federal. Ele acredita que existe má-fé por parte do governo, e não apenas problemas de interpretação.
“O governo usa deliberadamente a legislação que foi feita para proteger dados privados, que foi feita para proteger o cidadão comum de um abuso, de uma exposição ou uso ilegal de seus dados privados para interferir na Lei de Acesso à Informação, umas das legislações mais importantes para trazer publicidade aos atos da administração pública”, apontou.
Interpretação da lei
Procurador encarregado de proteção de dados pessoais no Ministério Público Federal (MPF), Leonardo Macedo lembrou que a LGPD é recente e alguns dispositivos entraram em vigor apenas neste ano, relativos ao poder sancionatório da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Na visão dele, é natural que esses impasses na interpretação dos dispositivos surjam à medida que a lei vai sendo aplicada.
O MPF também já teve dificuldade de acesso a dados, tendo como alegação a LGPD. Mas, segundo ele, a LGPD não pode ser utilizada como fundamento para impedir o exercício das prerrogativas das autoridades públicas.
“Recentemente foi inclusive editada uma nota técnica explicando que a Lei Geral de Proteção de Dados e o compartilhamento de dados previstos nesta legislação não afeta o poder de requisição de dados previsto na Lei Complementar 75/93, que confere ao Ministério Público a possibilidade de obter os dados de quaisquer instituições públicas e privadas”, disse. “Evidentemente, tratando-se de dados sujeitos a sigilo, cabe a quem recebe esses dados adotar as medidas necessárias para a preservação desse sigilo”, completou.
O procurador disse que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados tem papel fundamental de estabelecer diretrizes para a interpretação da LGPD e para superar os impasses em relação à Lei de Acesso à Informação.
Miriam Wimmer: proteção de dados não pode ser óbice para competências investigativas
Período de ajustamento
Diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Miriam Wimmer ressaltou que a transparência continua sendo a regra, e o sigilo, a exceção. Segundo ela, a LGPD não criou novas hipóteses de sigilo, mas apenas garante a proteção de dados e informações pessoais.
“A LAI define que a informação pessoal, que é um conceito equivalente ao dado pessoal, em regra terá o seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo máximo de 100 anos, mas a própria LAI traz um rol de exceções, situações nas quais as informações pessoais podem ser divulgadas, e isso decorre não apenas do consentimento do titular, mas também de previsão legal e de uma série de outras hipóteses, inclusive a necessidade de divulgação da informação pessoal para proteger o interesse público e geral preponderante”, explicou.
Segundo Miriam Wimmer, não existe uma resposta fechada para todas as circunstâncias, mas o agente público deve analisar nos casos concretos se existe esse interesse público preponderante. “É claro que a proteção de dados não deve ser levantada como óbice para o exercício de competências investigativas e fiscalizadoras, decorrentes da lei”, reiterou.
“Estamos vivendo um período de ajustamento a uma nova legislação, e isso às vezes leva um tempo até que se sedimentem as interpretações, até que se chegue a um consenso sobre a melhor forma de coexistência dessas normas, e o desafio que está posto para nós é avaliar em quais situações o interesse público na disponibilização e compartilhamento de dados pessoais deve prevalecer sobre uma visão voltada à proteção dos dados pessoais”, concluiu. “Um segundo desafio é como proteger dados pessoais que são tornados públicos em razão de políticas de transparência”, completou.
Regulamento da lei
Diretora da Associação GovDados.br, Laura Tresca acredita que a LGPD poderia ter aprofundado certas questões referentes ao tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. “Isso não quer dizer que os regulamentos que venham a ser criados não venham a ter esse equilíbrio entre as duas leis como parâmetro”, avaliou.
Ela sugeriu a criação de uma portaria conjunta da ANPD e Controladoria-Geral da União (CGU) com orientação aos agentes públicos de boas práticas para assegurar a máxima transparência dos órgãos públicos e a proteção de dados aos indivíduos – sugestão que foi endossada por outras entidades da sociedade civil. Ela observou ainda que vigora no Estado brasileiro uma “cultura do segredo”, que não se muda com leis.
Para o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, “a parte da LGPD que trata da Administração Pública é ruim, porque ela não fez distinção entre a transparência de dados pessoais de cidadãos comuns, coletados pelo Estado para a execução de políticas públicas, e os dados pessoais de agentes públicos”.
Manoel Galdino criticou a interpretação equivocada da LGPD
Interpretações equivocadas
Manoel Galdino citou alguns casos em que a brecha na lei foi utilizada para interpretações equivocada da LGPD pela administração pública: a Polícia Militar adotou sigilo de 100 anos para não informar o salário do policial acusado de matar Marielle Franco; dados dos crachás de acesso dos filhos do presidente da República ao Palácio do Planalto ganharam sigilo de 100 anos por serem dados pessoais; e o acesso ao cartão de vacinação do presidente também ganhou sigilo de 100 anos por esse motivo.
Segundo ele, não basta ser dado pessoal para se negar tornar uma informação pública. “Quando se trata de servidores públicos, o nível de transparência deve ser muito maior do que o do cidadão comum, mas na prática não está sendo assim”, afirmou.
Galdino defendeu que o Legislativo promova a fiscalização da aplicação e das interpretações restritivas da LAI por servidores públicos. E que a ANPD e a CGU, com a colaboração da sociedade civil, trabalhem com urgência para criar orientações para os servidores públicos sobre como interpretar os casos concretos. Além disso, salientou, os próprios parlamentares podem modificar a legislação para reduzir os conflitos, eliminando as brechas que têm sido utilizadas pelo Estado para manter informações em segredo.
Coordenadora-executiva do Coletivo Intervozes, Ramênia Vieira mencionou outras situações em que houve interpretação equivocada da administração pública, como a negativa a jornalista de acesso a dados ambientais e sobre trabalho escravo, sob o argumento de conterem dados classificados como sensíveis pela LGPD, como o CPF. Segundo ela, isso é facilmente equacionado com o correto tratamento dos dados.
Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia da Informação da Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB/PE), Paloma Mendes reiterou que a administração pública tem utilizado equivocamente a LGPD para ocultar dados que deveriam estar acessíveis a toda a coletividade. Ela citou dados da agência Fiquem Sabendo, especializada na LAI, mostrando 79 pedidos de informação negados por outros órgãos com base na LGPD.
Paulo Oda, do Instituto Ethos, observou ainda que o sigilo máximo de 100 anos, previsto na LAI para dados sensíveis, tem sido usado de forma irrestrita pelo governo.
Medidas da Câmara
Conselheiro do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD), Fabrício Mota sugeriu que a Câmara dos Deputados provoque a ANPD sobre a regulamentação da matéria.
“Se já há prejuízos para o controle externo e fiscalização, talvez seja o caso de uma provocação formal para que a ANPD possa iniciar um diálogo institucional com o Congresso Nacional no sentido de esclarecer o alcance e maneira mais adequada de compartilhamento de informações”, afirmou.
Além disso, ele defendeu a exibição mais robusta e pública das medidas que a Câmara vem adotando em relação à proteção de dados e que o ato da Mesa da Câmara referente ao acesso à informação seja atualizado nesse sentido.
Diretor do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados (Cedi), André Freire da Silva afirmou que o ato da Mesa (33/15) ainda está de acordo com a LAI e a LGPD. “Há a necessidade de fazer a conformação só em relação à atividade fiscalizatória. No nosso entender, ela se sobrepõe ao interesse privado”, disse. Para ele, não há necessidade de se alterar o ato da Mesa, mas é uma questão de interpretação da Secretaria-Geral da Mesa.
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