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Quando o Leão é obrigado a devolver dinheiro
A Justiça e a Receita Federal divergem em vários pontos sobre a incidência do IR. Saiba em que casos é possível reaver o valor recolhido
Divergências entre as normas da Receita Federal e entendimentos da Justiça têm motivado centenas de ações judiciais de contribuintes dispostos a reaver parte do Imposto de Renda pago ao longo dos últimos anos. Elas se referem a valores considerados tributáveis pelo Fisco, mas que, segundo decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deveriam ser isentos. A pedido da Gazeta do Povo, os advogados tributaristas Leonardo Sperb de Paola e Sabrina Naschenweng listaram sete dessas situações, nas quais o contribuinte tem direito a receber de volta parte do imposto recolhido.
“O problema é que há um lapso temporal entre as decisões judiciais tomadas nos casos concretos de determinados contribuintes e a sua generalização pela administração fiscal aos demais”, resume Sperb de Paola. Por isso mesmo, os tributaristas lembram que o preenchimento da declaração deve ser feito conforme as regras da Receita. “A minha orientação é sempre declarar, pagar o imposto em questão e depois buscar o ressarcimento. É mais garantido”, orienta Sabrina.
Quem se enquadra em alguma das situações a seguir e quer reaver o valor pago precisa procurar um advogado e entrar com uma ação na Justiça. O gasto, diz Sabrina, varia conforme a negociação com cada advogado. “Alguns cobram os cálculos e a abertura do processo, outros fazem um contrato de risco e recebem apenas no fim parte do valor recebido pelo contribuinte.
1)Contribuição para previdência privada entre 1989 e 1995
Entre os anos de 1989 e 1995, as contribuições feitas a planos de previdência privada não podiam ser deduzidas na declaração anual de ajuste do Imposto de Renda, como ocorre agora. Com isso, o entendimento judicial é que, no momento do resgate da aposentadoria, se dá uma bitributação sobre os valores do período, conforme explica a advogada Sabrina Naschenweng. “É preciso calcular o valor pago de imposto na parte referente à contribuição. Consegue-se então uma redução mensal do IR proporcional a estas contribuições”, diz. “Ou, no caso de resgate, a restituição do imposto, também proporcional a este período.”
O bancário aposentado Joacir Manoel Inácio entrou com uma ação desse tipo e, apesar de ter certeza que vale a pena, diz que o processo é bastante lento e burocrático. Ele mesmo demorou 9 anos para receber cerca de R$ 5 mil a que tinha direito. “Outra opção é procurar a própria Receita Federal e abrir um processo administrativo. Em alguns casos, é mais rápido e mais barato”, sugere.
2)Indenização por demissão durante período de estabilidade provisória
Mulheres grávidas e líderes sindicais, por exemplo, têm direito à estabilidade de emprego. Em caso de demissão, é comum que o empregado entre na Justiça e receba uma verba indenizatória – já que ela não está expressa na lei. Esse valor se refere, em geral, aos salários dos meses em que ele deveria ficar empregado. Com um novo pedido na Justiça, o contribuinte pode reaver o IR pago sobre ele.
O advogado Leonardo de Paola lembra que as verbas rescisórias devidas em demissões sem justa causa não estão sujeitas ao Imposto de Renda. Mas a legislação fiscal somente estende o benefício ao aviso prévio indenizado (não trabalhado) e ao FGTS. “Há várias decisões do STJ considerando não sujeitas ao IR também o pagamento de férias proporcionais e correspondente adicional.
3)Revisão de aposentadoria e outros benefícios
Quando há uma revisão previdenciária e o beneficiário recebe o valor retroativo, a tributação do IR ocorre sobre o valor total pago pelo INSS – de acordo com as normas da Receita Federal. Em muitos casos, isso faz com que o valor se enquadre na alíquota máxima do imposto – o que não aconteceria se o pagamento tivesse sido feito mês a mês. O entendimento da Justiça, no entanto, é justamente que sejam observados os valores mensais e não o total pago, e que sejam aplicadas as tabelas e alíquotas referentes a cada período. “Assim, em muitos casos, o contribuinte não teria que pagar imposto ou pagaria menos, pois a base de cálculo do imposto seria menor e consequentemente a alíquota seria reduzida. Ou até ocorreria a isenção de IR”, argumenta a advogada Sabrina Naschenweng.
4)Indenização por danos morais
A Receita Federal entende que o valor recebido por meio de uma indenização gera um aumento no patrimônio do contribuinte – e deve, portanto, pagar IR. “O STJ, no entanto, vem afirmando a não incidência do IR sobre esses valores, entendendo que ele apenas recompõe o patrimônio físico ou moral de quem recebeu. “Havia uma divergência quanto à indenização de danos morais, com decisões favoráveis e contrárias ao contribuinte”, diz o advogado Leonardo de Paola. “Porém recentemente a divergência foi superada. Mesmo se tratando de danos morais, que não levam à redução patrimonial, o entendimento é que a indenização correspondente não se qualifica como renda tributável.”
5)Juros de mora nas reclamações trabalhistas
O atraso do pagamento de verbas trabalhistas ao empregado acarreta na incidência de juros de mora. Esses juros são, portanto, uma espécie de penalidade imposta pelo Judiciário ao empregador, além de ser uma compensação em dinheiro ao empregado. Como regra geral esse valor é incorporado ao montante total na declaração do IR. “Porém, a orientação do STJ é de que o valor pago a título de juros moratórios em virtude de decisão favorável em reclamatória trabalhista tem por finalidade a recomposição do patrimônio”, diz a advogada Sabrina Naschenweng. “Por isso, ele tem natureza indenizatória e, sobre ele, não deve incidir Imposto de Renda.”
6)Indenização decorrente de desapropriação
A legislação do Imposto de Renda prevê isenção do tributo sobre o ganho de capital apenas na desapropriação para fins de reforma agrária. Porém, tanto o STF como o STJ têm garantido a não incidência em qualquer modalidade de desapropriação (utilidade pública e interesse social, por exemplo), segundo o advogado Leonardo de Paola. “A não incidência é garantida inclusive aos juros compensatórios e indenizatórios que recaem sobre o valor do principal.”
7)Abono pecuniário dos últimos dez anos
Em janeiro deste ano a Receita Federal mudou as normas para a tributação do abono pecuniário, ou seja, a venda de 10 dias de férias não gozadas. Reconhecendo um entendimento já comum nos tribunais, o valor passou a ser considerado isento de IR, e não mais um rendimento tributável.
Na Instrução Normativa 936, a Receita orienta que os contribuintes que venderam parte das suas férias retifiquem as declarações dos últimos cinco anos para serem restituídos dos valores pagos indevidamente sobre o abono. Para isso, o contribuinte precisa baixar em seu computador os programas referentes a cada ano e corrigir a declaração, enviando uma retificadora com o valor no campo “Rendimentos Isentos e Não-Tributáveis”.
A advogada Sabrina Naschenweng lembra, no entanto, que judicialmente ainda é possível pleitear o valor referente aos últimos dez anos. “Ainda estamos aguardando uma decisão definitiva do STF sobre o prazo de ressarcimento. Mas, por enquanto, são dez anos. E acredito que ficará assim.”
Uma das suas clientes, uma administradora que preferiu não se identificar, conta que o processo para reaver o imposto pago sobre o abono dos últimos sete anos foi bastante rápido e simples. “Precisei apenas apresentar meus holerites”, conta. Ela gastou R$ 100 para que o escritório fizesse os cálculos de quanto tinha para receber e, no fim do processo, pagou 20% do valor para o advogado. Ela entrou com o processo em agosto, recebeu a resposta positiva no mês seguinte e o dinheiro, em março.
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