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'Velha novidade', transação tributária é adotada em massa pelas empresas
Prevista no Código Tributário Nacional desde 1966, o instituto da transação tributária só ganhou protagonismo recentemente, com a aprovação da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020.
Solução conciliatória entre contribuinte e Fisco movimentou R$ 184,3 bi até julho
A grosso modo, a transação tributária é uma modalidade de acordo entre a União e o contribuinte, que negociam e fazem concessões mútuas para extinguir débitos tributários.
A crise econômica imposta pela crise sanitária provocada pela Covid-19 e a regulação do dispositivo alçaram o dispositivo a um protagonismo inédito. Estudo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) dá conta de que o número de transações tributárias firmadas entre contribuintes e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já ultrapassou 1 milhão.
Até julho de 2022 — incluídos os descontos — foram transacionados R$ 184,3 bilhões em débitos, gerando uma arrecadação de R$ 14,5 bilhões. Os números integram o 4º relatório do Observatório de Transações Tributárias, projeto de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper.
Os dados demonstram que, apesar da necessidade em cenário de crise econômica, o contribuinte também já enxerga com confiança o dispositivo como método de regularização de dívidas tributárias.
Os modelos de transação extraordinária e excepcional são atualmente os mais praticados no país. A transação extraordinária, criada para atenuar o impacto da pandemia da Covid-19 sobre os devedores, tem como principal característica o alongamento de prazo para pagamento (até 142 vezes) com uma entrada menor (1% do débito, em até três vezes). De acordo com o relatório, foram pactuadas 548,6 mil transações do tipo, gerando arrecadação de R$ 3,8 bilhões.
A transação excepcional, lançada em razão do prolongamento da crise sanitária, assegura até 100% de desconto sobre multas, juros e encargos e um formato diferente de parcelamento (entrada de 4% em até 12 meses e o restante em até 133 vezes). Foram 309,7 mil adesões, com receita de R$ 7,4 bilhões.
Com a palavra, os especialistas
Francisco Gaiga, advogado e sócio do escritório Gaiga Advocacia, acredita que os grandes trunfos da transação tributária são a simplicidade e a eficiência. "É uma forma de conciliação que é vantajosa para as duas partes. Além disso, a própria dinâmica do dispositivo contribui para suavizar o antagonismo que muitas vezes marca a relação do fisco com o contribuinte", pondera.
O especialista acredita que a regulação trazida pela Lei nº 13.988 representa um marco nessas relações e a boa vontade do poder público de negociar débitos de maneira sustentável com o setor produtivo.
"Outro dado que demonstra a consolidação das transações é o aumento do número de ações judiciais propostas por contribuintes dispostos a fazer a Receita Federal inscrever seus débitos em dívida ativa. Com isso, o interessado pode iniciar a negociação com a PGFN e se beneficiar dos acordos. O cruzamento de informações também sinaliza que a utilização do instrumento está disseminada de forma homogênea pelo país, uma vez que foram encontradas transações em todas as procuradorias regionais da Fazenda Nacional", explica.
Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário do Conselho Federal da OAB, é outro entusiasta das transações tributárias. "O instituto da transação se revelou uma disruptiva solução alternativa de controvérsias tributárias, e de superação da lógica adversarial que sempre permeou os litígios entre contribuintes e fazenda", exalta. Segundo ele, a modalidade tem sido responsável pela resolução de pondo fim a litígios antiquíssimos e praticamente insolúveis .
A advogada tributarista Liz Marília Vecci, sócia fundadora do Terra e Vecci Advogados, vê na recente regulação um movimento natural e necessário da relação do Fisco com o contribuinte. "As alterações legislativas ocorridas esse ano, através da Lei nº 14.375/2022 trouxe avanços consideráveis à transação tributária. O contribuinte claramente está sentindo mais segurança em buscar esse instrumento", define.
Para quem é indicado?
Apesar de ser uma solução rápida, eficiente e fléxivel para liquidação de débitos tributários, o instituto das transações tributárias não é o mais indicado para todas as empresas.
Para Gustavo Degelo, advogado tributarista da Briganti Advogados, a solução é indicada para contribuintes que tenham débitos classificados como de difícil recuperação ou irrecuperáveis. Esta classificação é resultado da situação econômica do devedor que não tem capacidade de pagamento integral das suas dívidas em prazo de até cinco anos.
"Outra possibilidade é a inclusão na transação tributária de débitos objeto de discussão com baixa chance de êxito. Neste caso, o contribuinte deve considerar se o pagamento com os benefícios da transação não resulta em um ganho econômico face a continuação da discussão deste caso."
Caio César Morato, advogado tributarista do Rayes e Fagundes Advogados, lembra, por sua vez, que a legislação prevê a concessão dos maiores descontos para as pessoas jurídicas que buscam a sua recuperação financeira, demonstrando a impossibilidade de realizar o pagamento à vista ou sem a concessão de descontos.
"As empresas que não sofreram grandes dificuldades financeiras apenas conseguem realizar o parcelamento de suas dívidas vencidas e com um número parcelas mais reduzidas. Não obstante, a possibilidade de parcelamento ainda é um atrativo", diz.
Segurança jurídica
Outro ponto atrativo das transações tributárias é a segurança jurídica. Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio de VBD Advogados, lembra que Receita Federal regulamentou, em novembro deste ano, por meio da Portaria 247, a transação para créditos tributários em contencioso administrativo, basicamente mantendo os mesmos parâmetros das modalidades de transação e descontos para créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação da Portaria anterior. "Isso, de certa forma, gera certa estabilidade e, portanto, previsibilidade quanto ao instituto, já que as regras basilares foram mantidas", diz.
Gustavo Degelo também acredita que as instruções normativas resultam em maior segurança jurídica para a composição da transação tributária. "Por outro lado, por ter natureza infralegal, caso o contribuinte entenda que a legislação está sendo violada, poderá acionar o Poder Judiciário para contestar a validade da Instrução Normativa", lembra.
Já Morato sustenta que as instruções normativas dão mais clareza quanto aos critérios e possibilidades de descontos, simulando com maior segurança o desafio financeiro a ser ultrapassado.
O que pode melhorar?
Apesar dos resultados positivos, os especialistas são unânimes em apontar que melhorias são necessárias nas modalidades de transações.
Maria Carolina Sampaio, sócia e head da área tributária do GVM Advogados, explica que o país ainda tem muito a avançar em ações tributárias. "É preciso ampliar o diálogo com os procuradores. Muitas vezes os acordos são formados sem que o contribuinte consiga falar com um procurador, explicar pessoalmente sua situação. A pessoalidade, em algumas situações, é extremamente necessária", afirma.
Morato segue a mesma linha. "Ainda é necessário maior disponibilidade de procuradores e auditores para que os contribuintes possam sentar e negociar os valores objeto da transação, em especial no que se refere à utilização de precatórios", diz.
Já Castro acredita que a utilização de prejuízos fiscais exclusivamente segundo avaliação da RFB é algo a ser melhorado. "O aumento do escopo para demais créditos tributários e revisão dos requisitos e critérios para qualificar um crédito como sujeito ao instituto da transação também é um ponto que pode ser revisitado e ampliado para abranger mais contribuintes e situações, reduzindo a litigiosidade excessiva e custos elevados com contencioso tributário no Brasil", sustenta.
Bichara resume bem a questão: "Em suma, a transação tem funcionado muito bem, mas pode evoluir".
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